Desculpa por tocar a campainha sem pedir
permissão. Se eu soubesse que intrusos não eram permitidos, eu nunca
teria atravessado a rua pra conhecer um pouco mais sobre você. Eu não
teria me levantado rápido depois de beber um pouco além da conta porque
eu sei bem como eu costumo ficar tonta quando a dose é forte demais pra
mim. Eu nunca fui de gostos amargos, mas os destilados puros sempre me
fizeram sentir da forma adequada diante de você: com a garganta em
chamas. Doida pra deixar a etiqueta convencional de lado e despejar meio
litro de acusações e declarações para um completo desconhecido. Tentada
a revelar o que nenhuma amiga minha sabe ou sequer sonhou sobre mim.
Mas acabou que você virou o meu segredo mais sórdido e desculpa por isso
também. Desculpa por ter achado que você ficaria por mim quando nem eu
mesma teria ficado.
Desculpa se eu fui insistente e você não gostou. É que você parecia
ser o único que entendia a minha carência específica – de você – e os
meus medos de escuro. Desculpa pelo travesseiro duro e por todas aquelas
vezes em que eu tive que parar o carro pra ir ao banheiro. Não achei
que os meus modos fossem incomodar. Papai e mamãe sempre me ensinaram a
não deixar estranhos entrarem, mas você seria o meu adorável estranho em
pouco tempo. Ah, e obrigada pelo abajur roxo. É a minha cor preferida, o
meu objeto preferido e o meu dia preferido no mundo. Me faltou
delicadeza em recebê-lo porque eu sempre tremi demais nas bases quando
eu tinha algum contato com você. Mas eu guardo os cacos numa caixinha
dentro do armário. Os cacos do abajur e os meus também.
Desculpa por ter feito você perder alguns jogos do seu time pra
cuidar de mim. Nunca soube jogar futebol e acho que teria entendido se
você me explicasse o que era impedimento. Desculpa se eu avancei demais
na área. É que você me deu corda e nem percebeu que eu tinha medo de
altura e nenhum equilíbrio pra andar nela. Eu sei que caí algumas vezes,
mas achei que entenderia o meu lado se ouvisse de mim que não era amor.
Até era. Ou foi por um tempo. E quando não era mais, eu já não queria
só o resto. Eu sei que eu deveria ter falado isso e que podia ter sido
mais justa. Desculpa por deixar a luz apagada e a casa vazia bem na hora
em que pedi pra você ficar por mim.
Desculpa por ter sido omissa comigo mesma. E eu só te peço desculpas
porque eu sei que, depois de mim, o maior prejudicado foi você. Você me
reproduzia em megafone e fazia com que o meu corpo se reverberasse por
aí. Desculpa por ter sido idiota e por achar que, na vida, a gente
consegue mudar alguém pra transformar um esboço numa versão mais bem
planejada de alguém que a gente quer amar. Desculpa por não ter amado
você de verdade – e foi só porque eu pensei que amaria os seus jeitos
descomplicados quando eu conseguisse moldá-los aos meus. Desculpa por ir
embora em silêncio, mas é que eu me envergonho muito por ter feito a
gente perder tanto tempo um com o outro. Desculpa por pedir desculpas o
tempo todo. Mas esse é mais um dos meus modos de tentar amenizar o
prejuízo e os danos que eu causo por aí. Ah, e me desculpa por ser assim
e por espalhar a desordem até numa carta.
Desculpa por ser feita de decepções.
Sobre o autor: Daniel Bovolento é redator publicitário e também colunista de alguns site e blogs. Atualiza o "entre todas as coisas" com ótimo textos de comportamento.